Thursday, January 24, 2008

Metalinguagem

Descoberta ocasionada por uma topada com o oximoro de Victor Hugo, para quem “Deus é o invisível evidente”:

A verdade poética
É tratar do mais básico
De um jeito tão óbvio
Que chega a ser mágico.

Wednesday, January 16, 2008

Por que existe a ressaca, meu Deus; por que, por que, por quê?

Muito já se escreveu sobre (e sob) a Ressaca. Talvez só perca, no rol dos temas universalmente tratados, para Deus e o Sexo. Conquanto sejam todos esses temas de importância existencial, eu, particularmente, tenho tido muito mais contato com a primeira que com os dois outros.

Lembro de um conto do Luís Fernando Veríssimo (salvo engano) em que ele compendia as ressacas e as classifica de acordo com o tipo de mal-estar. A ressaca de vinho (salvo engano) deixaria o vitimado em tal estado de desidratação que o empurraria no meio da noite para a cozinha, onde ele descobriria desalentado que não há líquido potável e que terá de recorrer, portanto, à gaveta dos legumes, junto à qual seria encontrado na manhã seguinte chupando um chuchu, em busca de umidade. Eu sorri ao ler a crônica, mas foi um sorriso tenso, de quem se dá conta que o abismo moral das crônicas pode estar logo ali, numa madrugada de sábado pra domingo.

Na literatura ressaquística disponível, as seqüelas físicas são as mais incensadas. A sintomatologia clássica inclui dores de cabeça lancinantes, fotossensibilidade, perda de 70% da coordenação motora fina (“não, eu não errei minha boca, o garfo é que tá torto!”), indisposição para tarefas mentais (acordar já é um ato de resignação) e completa recusa às tarefas físicas (“eu sei que estou a seis horas assistindo a esse programa mudo sobre os desenhos que o vento faz nos campos de açafrão, mas você queria que eu me levantasse daqui pra pegar o controle remoto?!”). Os reflexos psicológicos perpassam um mau-humor aleatório – semelhante à TPM – e calores – semelhantes à menopausa –, o que fundamentou teorias segundo as quais o estado de ressaca seria uma incursão química à psique feminina. A tese foi fulminada ao se constatar que uma tigela de sorvete de flocos com cobertura de chocolate quente, apesar de atenuar o sofrimento, não reverte o quadro geral.

Li em algum lugar que os grandes vilões são os aldeídos. Passei a pedir minha cerveja sem aldeído, mas não parece ter funcionado. Também já ouvi falar que não se podem misturar destilados e fermentados. Pedi para pararem de colocar cachaça no meu vinho, nada. Diante da impossibilidade de se a evitar, passei a me preocupar com outro aspecto da ressaca – aquele que, para mim, precede a todos os outros e constitui sua verdadeira causa e essência: o aspecto moral.

Podem dizer que aquele amarelado nos olhos de ressaca é resultado da bile ou o que quer que seja, eu continuo achando que é culpa. Pode ser pelas memórias enevoadas da noite anterior, em que você tentou insistentemente beijar a mesma menina achando que o fora era só provisório. Você recorda, então, que na hora julgou estar recebendo sinais claros de que ela estava atraída por você – agora percebe que ela te pediu para parar de fumar não por se preocupar com a sua saúde, mas porque era proibido, dentro da boate. A cada caco de lembrança, a cada nova peça do quebra-cabeça, um novo sintoma físico. Minha tese terá sido corroborada se, na próxima vez em que encontrar aquela garota, ela vier te perguntar “e aí, ainda precisa de ajuda para escolher o nome do seu pônei” e você, sem idéia de por que teria dito aquilo, desmaiar.

Acho que o único jeito digno de combater a ressaca é suportando-a estoicamente até o fim. A dor é a punição merecida pelos excessos da véspera, quer você se lembre deles ou não. Ainda que doa tanto que você tenha vontade de chamar a polícia. Tylenol é para os fracos; engov, para os mal-intencionados.

Sorvete de flocos, vá lá. Mas sem cobertura.