Tuesday, November 11, 2008

Eles, os bípedes

Um sujeito no cursinho tentava intimidar os colegas, no intervalo de uma longa bateria de exercícios de economia.

- A questão 7 era fácil demais. Tinha que ser quadrúpede, para errar aquela.

A sentença excluía-me sumariamente do grupo evolutivo a que eu acreditava pertencer. O fato de não ter passado longe da resposta correta me garantiria, no máximo, com alguma benevolência, a condição de trípede. Ofendido, cheguei a formular minha defesa hipotética.

- Você se equivoca quanto ao epíteto, nobre colega – redargüiria eu – Alguns dos melhores seres com que tive a honra e o prazer de conviver eram quadrúpedes.

- Melhores em que aspecto? – instigaria ele.

- Em vários.

- Por exemplo...?

- Por exemplo, no senso de humor – finalizaria eu, triunfante.

Preferi poupar-nos a ambos do pugilato verbal, que poderia tomar rumos surrealistas; e, admito, a vaidade jamais me permitiria confessar a derrota diante da fatídica questão. Mas, quando voltei à sala de aula, percebi que algo se havia quebrado dentro de mim. Deslocado da posição que costumava ocupar em relação ao número de pontos de apoio que mantenho com o solo durante o ato de andar, olhava agora para os bípedes ao meu redor repleto de hostilidade.

Simultaneamente, percebi que com a antipatia vinha uma inusitada sensação de liberdade. Extasiado, começava a entender que, se não fazia mais parte daquele grupo, estava livre do legado de suas sandices. Sem cair na obviedade de me desvincular das atrocidades já cometidas por eles – esta seria uma forma tipicamente bípede de argumentar – estava isento das preocupações, da ética e da lógica que os regem.

Tive vontade de explicar ao colega intimidador que, naquele momento, deliciava-me mais que qualquer outra vantagem a de estar livre daquela insuportável capacidade que têm seus congêneres de complicar tudo ao redor, dos mais simples eventos da natureza até os exercícios de micro-economia. Os trácios, por exemplo, ancestrais de tantos bípedes modernos, atiravam flechas para o céu nas noites de tempestade, que acreditavam ser uma declaração de guerra dos deuses. Teriam ao menos tomado o cuidado de não lançar aquelas flechas em ângulo íngreme demais, para evitar produzir uma chuva verdadeiramente perigosa de projéteis descendentes? Por que não apenas despir-se e dançar nus, sob a chuva?

Em outra parte do mundo, os rastafáris construíram a crença de que Jah, no dia do Juízo Final, recolherá os seus carregando-os pelos cabelos. Assim justificaram os complicados penteados em dread lock, que serviriam de alças consistentes, para facilitar a empunhadura divina no dia do arrastão celestial. Teriam ao menos tido a preocupação solidária de desenvolver técnicas de implante capilar, para dar a seus correligionários calvos a possibilidade de Salvação? Por que não apenas pedir à divindade que os agarrasse pelos braços – ou pelas orgulhosas pernas bípedes?

Além de criar complexidades desnecessárias, o grupo do qual fui banido é pródigo em explicá-las com termos inextricáveis. Observe-se a crise econômica que atualmente se alastra pelo mundo, por exemplo. As explicações que escutamos culpam um insólito Subprime por tudo o que acontece. Se as línguas dos bípedes fossem ferramentas de comunicação bem-acabadas, com palavras comprometidas em se assemelhar às Coisas representadas, perceberíamos sem dificuldade que o termo “Subprime”, na verdade, é talhado sob medida para referir-se a um vilão com super-poderes. Posso imaginar o abominável Subprime observando a cidade do alto de sua torre, maquinando maldades, os olhos frios brilhando no rosto encoberto pela máscara azul e negra decorada com um “S” estilizado.

Ainda tentando compreender o que acontece, aprendemos que as Autoridades Monetárias estão ocupadas em resolver o problema. Novamente, o termo é desajeitado: seria mais razoável que “Autoridade Monetária” designasse uma heroína vestida de xerife, a guardiã da sociedade, com seu sorriso capaz de inspirar confiança e seu distintivo brilhante. Seria a única capaz de conter a Crise causada pelo odioso Subprime. O rádio central da polícia difundiria, urgente: “Subprime foi avistado na rua 7, precisamos chamar a Autoridade Monetária para detê-lo!” Um sinal luminoso em forma de cifrão seria projetado nos céus da cidade.

Quando começamos a crer que tomamos pé na situação, lemos que a Autoridade Monetária agora recorre ao Swap Reverso para mitigar os efeitos do colapso financeiro. Sem dúvida, “Swap Reverso” refere-se, para qualquer ser ainda não contaminado pelos vícios bípedes, a um poderoso tapa aplicado com a mão esquerda (se fosse com a mão direita, bastaria dizer “Swap”). E, como mágica, tudo se deslindaria em uma frase: a Autoridade Monetária, com o Swap Reverso, derrubou o Subprime em mais uma batalha.

Mas respostas auto-evidentes não satisfazem os avaliadores que criam os exercícios de economia – alguns deles, como a questão 7, verdadeiros testes para avaliar a quantidade de patas que usamos para nos locomover. Sem ressentimento nem pesar, tomo a decisão: vou amanhã comprar minha bengala, para poder exercer orgulhosamente minha tripedia.

Tuesday, September 23, 2008

Retalhos

O crepúsculo se demora sobre o deserto
O vendaval espera o momento
Então preciso costurar
Para cobrir o deserto
Acender as lâmpadas
Que desfaçam o lusco-fusco
Que resistam ao vendaval.

A menina vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, (mas para alguém?)
Caiu no álbum de retratos.

Mas não foi sempre assim.
No início era o sol.

E sua sedução era menos
de mulher do que de casa;
pois vinha de como era por dentro
e por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
A mesma plácida elegância,
O mesmo reboco claro,
Riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que ela me causava:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

Mas hoje só há distância.
E hoje amealho autoperguntas.

Por que amou por que amou
se sabia
p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente
me diga : mas por que
amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula evidente?

ah PORQUEAMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos ecos
lúgubres de mim mesmo
irm (ã,o) retrato espetáculo por que amou?

se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda via mas toda vida
é indagação do achado e aguda espotejação
da carne do conhecimento, ora veja

(E me ofereço autorespostas:)

permita cavalheir (o,a)
amig (o,a) me releve
este malestar
cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
o que é inconsolável de ofício
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car (o,a) colega este não consola nunca de núncaras

E resta o silêncio do tentado.

De modo que quando o vendaval chegar
(Não sei se duro ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Eu fiz o que podia que achei que você queria.

E se é para ser assim, um álbum de retratos,
Que eu tenha ao menos com que me cobrir:
Uns retalhos de MuriloMendesJoãoCabralCarlosDrummondManuelBandeira
E uns pedaços de mim mesmo
Antes que a noite chegue
Antes do vendaval.

(Poemas respeitosamente mutilados aqui, por uma causa maior que todos eles: “Pré-história”, ”A mulher e a casa”, “Amar-amaro” e “Consoada”).

Saturday, September 20, 2008

Epístolas da Deprelândia (II)

O bar do Paulão é o esconderijo perfeito. Lugar de neutralidade absoluta, daqueles que deus e o diabo escolhem para botar a conversa em dia, aos domingos. O copo tem sempre gosto da boca do penúltimo bêbado (assumindo que você será o último, pelo menos do seu ponto de vista), o amarelo das paredes das mesas da cerveja se encontram para neutralizar o azul da noite.

Na tevê, o Pica-Pau serra a escada sobre a qual se encontrava o cão Measles - e ele, ao perceber, ainda acena para a câmera antes de cair e virar uma nuvenzinha de poeira, no chão. Identifico-me com Measles e tenho raiva de quem sai por aí serrando escadas. Quanto tempo se passará até que o cachorro consiga uma escada nova? E quanto tempo mais até que possa galgar os degraus até o topo? - ainda que seja um canino bípede e falante, e portanto não constrangido por limitações triviais... E, por mais que emerja íntegro de sua triste nuvenzinha, quem pode assegurar que encontrará o Pica-Pau? O Dia de Measles não será televisionado.

O Paulão em pessoa não sai de perto da churrasqueira de zinco. Prefere não beber porque tem dor de cabeça - disse a uma habituée. De vez em quando se vira e lança um olhar neutro, dordecabeçado, em minha direção. Obrigado, Paulão: farei escadas, para mim e Measles, com seus espetinhos mistos.

O Lúcio é o garçom, ele emprestou a caneta. Não perguntou para quê, com sua discrição típica de um lúcio. Os lúcios não são néscios, e sabem que a jácula causa mácula, já que nunca se viu - nem verá - uma moça ejaculada que permaneça imaculada. A caneta saiu de cima da orelha, mas minha expectativa de que ela trouxesse, além de sebo, idéias, se mostrou vã. Talvez Lúcio, o paramécio, também não esteja com os pensamentos em ordem.

Conversam sobre virgindade atrás de mim, sem saber que sexo é um tema delicado, quando se está de coração partido. Imaginá-la nua em outra companhia só não é pior que vê-la olhar para alguém como olhava para mim, ou afagar a nuca de alguém como afagava a minha.

Peço 18 espetinhos - preciso começar a fazer uma escada.

Tuesday, September 16, 2008

Epístolas de Deprelândia (I)

À medida que se vive, a tristeza vai perdendo suas confortáveis tonalidades líricas, seu desconsolo glamouroso, sua profundidade inspiradora. Torna-se um amargo impaciente, uma irritação destrutiva, uma aridez inescapável. Uma úlcera - nada mais.

Ao deixar de alegremente sofrer as noites de Paris, Rimbaud fez da metáfora a vida e foi exilar-se da poesia no sol e no sal magrebino. Entendeu que a dor era surda às palavras que ejaculava, faminta de um silêncio que não reverberasse tanto.

Ao se derramar sobre a anima, a tristeza erode com tal fúria o verbo que não deixa, à sua passagem, o mais inexpressivo sinal gráfico, o mais inaudível suspiro. Tão brutal que se permite contemplar com indiferença do topo do mundo. E tão particular que abandona os soluços e gemidos, os clamores e estampidos, para ir se encostar, numa noite de terça-feira, no fundo ermo da minha geladeira.

Monday, June 2, 2008

Pense bem antes de acertar

Ibrahimovic recebeu um passe complicado; dividiu corajosamente com um zagueiro neandertal e manteve a posse de bola; cortou para dentro da área e deixou um marcador no chão; com uma ginga atribuída exclusivamente a brasileiros e argentinos, deixou no chão o segundo; mudou bruscamente de direção para derrubar o terceiro e ainda deu uma paradinha, antes de tocar para o gol, com muita categoria. Um lance genial, mas inteligível. Em vez dos malabarismos antigravitacionais que vemos por aí, uma sequência lógica de movimentos perfeitamente executados.

Quando jogava pela seleção da Octogonal 2, vivi um momento parecido. Dividi com o beque e ganhei; entrei na área e, driblando, passei por dois; mas, quando armei o chute, senti a bola se distanciando. Tentei ajustar o pé de apoio, e na minha versão da jogada do Ibrahimovic, quem terminou no chão fui eu. Resguardadas minhas limitações físicas e técnicas, esse detalhe faz a diferença entre eu e o atleta sueco: hoje, eu pago cinco reais por hora pelo aluguel da quadra lá no Arena, ele ganha milhões de euros pra jogar nos maiores estádios do mundo. Nascemos no mesmo ano, e, em algum lugar ao longo de nossas trajetórias, a capacidade de manter o pé de apoio firme determinou que um de nós fosse rico e jogasse no Ajax da Holanda – terra da tulipa, da maconha e das mulheres com mais de 1,80 metro – e o outro fosse gordo e míope. Ele tem centenas de gols obsessivamente analisados por fãs ávidos no YouTube, enquanto ninguém jamais se lembrará dos meus lances nos gramados – à exceção daquele frango na final da Semana Cultural da 8ª série, mas esse não conta porque a bunda gorda do Igor encobria parcialmente minha visão.

Forçando a mão no paralelismo entre minha história e aquela de Zlatan Ibrahimovic, poder-se-ia estabelecer também a diferença entre o medíocre e o excelente. Entre o talento não-realizado e o desenvolvido, estimulado e florescente. Não duvido de que, como eu, ele também já tenha vivido derrotas. Quiçá até já caiu no chão, tentando materializar a jogada sonhada. Mas, na maior parte das vezes, consegue realizar com as pernas aquilo que acontece em sua cabeça. Eu não consigo realizar de jeito nenhum o que se passa na minha.

Ibrahimovic está no auge, eu ainda nem comecei minha escalada profissional. Em cinco anos, dez, no máximo, o sueco deve se aposentar, e terá todo o tempo livre para cultivar suas paixões e dedicar-se ao aprimoramento pessoal. No mesmo prazo, espero estar trabalhando ainda com frescor idealista, embora já escorado em alguma experiência, sem tempo nenhum para veleidades. Ele, então, continuará acumulando capital quase na proporção do PIB de um pequeno país por meio de contratos publicitários, eu comprarei meu primeiro apartamento com prestações a serem pagas em 35 anos.

É claro que ele sentirá o baque quando perceber que a fama é uma amante ingrata, que deixa os homens tão subitamente quanto os seduz. Deixará de ser reconhecido à porta dos restaurantes que freqüenta, notará que a faixa etária dos poucos que ainda lhe pedem autógrafos é cada vez mais alta. Nessa altura, estarei assumindo minhas primeiras posições de chefia. Mais pragmático, manterei meus ideais inscritos em frases de motivação distribuídas periodicamente a meus comandados, mas intimamente saberei que muito já será se fizer o melhor que posso.

Ibrahimovic, ao aproximar-se da meia-idade, ganhará uma placa no Estádio Olímpico de Estocolmo. O fato deve ganhar no máximo uma breve referência nos jornais. O brilho do passado refulgirá brevemente sobre o presente, mas não tardará a desvanecer: e o ex-atleta encontrará refúgio no tripé alcoól-drogas-prostitutas. Será preso duas vezes, uma delas por tentar beijar Paris Hilton – também já decadente – à força. Virá ao Brasil passar férias e dar uma entrevista insossa ao sucessor do Jô Soares - ou ao próprio, caso se confirme sua propensão ao não-envelhecimento. Protagonizará uma cena ridícula, dançando samba com a Sasha.

Por volta dos 50 anos, estarei no auge da carreira e da produção intelectual. Publicarei um livro medíocre; pois, como nunca pude dedicar-me exclusivamente à literatura, jamais cheguei a refinar minha técnica. Ainda assim, ele venderá bem entre meus funcionários, puxa-sacos e familiares, e me renderá uma aura de erudição, que tratarei de matizar com uma humildade estudada. Trabalharei menos, ganharei mais, poderei ver meus filhos crescerem. Nenhum deles saberá quem foi Zlatan Ibrahimovic, e eu poderei finalmente fazer a tão sonhada viagem à Holanda do Ajax.

Ainda bem que, naquela manhã fatídica de 1991, perdi o pé de apoio, fui ao chão e não concluí minha boa jogada. Ainda bem que nunca cheguei a realizar meu talento. Coitado do Ibrahimovic.

Thursday, May 15, 2008

O sexo e a verdade

Uma guerra deve ficar para sempre fora das negociações de paz: a guerra dos sexos. Ela é fonte inesgotável de mal-entendidos e piadas preconceituosas (mas engraçadas), antídoto para falta de assunto em rodas de amigos bêbados. O blog Gaveta das Calcinhas se dispôs a cumprir o papel de correspondente do front, nos campos de batalha do Rio Grande do Sul. Mais que apenas documentar, têm a intenção declarada de atiçar ainda mais este delicioso conflito os posts de Angélica Seguí e outras colaboradoras – assumo, julgando pelo título do blog, que sejam todas mulheres; ainda que, vejam bem, não tenha nada contra homens que tenham gavetas de calcinhas, seja por fetiche, transformismo ou ronaldismo. Mas quase tão saborosos quanto os textos em si, e essenciais para que a queda de braço inter-gêneros se perpetue na forma de uma estranha dança do acasalamento cibernética, são os comentários aos posts.

De cara, numa triagem preliminar, dá para separar dois tipos básicos de posicionamento masculino, frente aos imbróglios com suas contrapartes femininas: o sincero e o hipócrita. O hipócrita é aquele que tenta falar o que acha que as mulheres querem escutar. O que pensar de uma menina que faz sexo na primeira noite? “Bem, acho que todos têm o direito de ser feliz... etc, etc... o sexo é um prazer sublime... etc, etc... essencial para que duas pessoas se conheçam de verdade... etc,etc.” Querem os homens saber sobre as relações pregressas de suas respectivas? “Bom, acho que toda relação se constrói com respeito à verdade... etc, etc... se houver maturidade e companheirismo... etc, etc... quando a pessoa gosta, o que importa é o futuro... etc, etc.”

Faz lembrar um amigo meu que ficou grávido no fim da adolescência, e, numa incrível manobra de sobrevivência sexual, ele transformou a filha encomendada em super-trunfo da conquista. Ainda que ame a filhinha, ela foi o adorável resultado de sua irresponsabilidade juvenil. No entanto, era comum escutá-lo sussurrando com voz grave, ao pé do ouvido da vítima escolhida para a noite, coisas como “ser pai é a coisa mais maravilhosa do mundo... etc, etc... agora eu vivo para outra pessoa, não para mim... etc, etc.” E assim por diante. Seu tempo médio entre o início do xaveco e o amasso bem-sucedido caiu de 3h30 para 45min.

Os sujeitos mais atentos não demoram a perceber que, em termos gerais e resguardadas curiosas exceções, elas são atraídas por:

1) Algum signo de poder. Pode ser um corpo alto e bem esculpido, um rosto bonito, uma inteligência que ofusque as outras ao redor, uma posição social destacada, uma posição hierárquica superior, dinheiro, popularidade, fama, etc. Mas a verdade é que todos esses aspectos de poder são efêmeros; e a barriga, não. Concluíram outro dia que o tecido adiposo permanece inalterado a partir dos 20 anos, quando então fica fácil engordar e difícil emagrecer. Eu já tinha comprovado isso sozinho, senhores cientistas. Também não passa o gosto por futebol e cerveja, que eventualmente se transformam no universo do camarada. Não passam – e podem mesmo se acentuar – as manias de arrotar e soprar para o lado, virar a cabeça para acompanhar a passagem de ninfetas e outras desagradabilidades.


2) Um discurso ponderado. Deve ser a Natureza dizendo uma daquelas coisas que a Natureza gosta de dizer: “ele é responsável e pode ser um bom provedor para eventuais descendentes”. A mulher gosta, ainda que negue, de ser induzida a pensar que está com um cara minimamente sensível. Esse limiar de sensibilidade já foi mais alto: hoje, basta que o cara não seja uma serra elétrica ligada. Mas, nesse ponto, fazer comentários “cabeça aberta”, ser anti-machista, conta pontos. O problema é que as mulheres mais sagazes já começam a identificar os clichês mais pisados pelos cínicos. O que, trocando em miúdos, quer dizer que parecer sensível está dando mais trabalho.

Normalmente uma das duas características costuma bastar. A soma das duas configura um Marido potencial. Não se culpem as mulheres – elas o fazem inconscientemente e, a rigor, têm razão em procurar essas coisas. Nós, expostos como estamos à seleção, temos que colocar a melhor vitrine – portanto, não sejamos culpados por eventuais... hm... insinceridades. Todo homem com algum sucesso no terreno da conquista tem um pequeno publicitário misógino lhe soprando idéias nos ouvidos.

Mas é surpreendente que haja também aqueles que apostam em respostas sinceras. Palmas para quem inventou o papo de que sinceridade é uma coisa bacana, e a transformou num valor. Alguns caras não hesitam em falar que acham que a mulher se desvaloriza, ao fazer sexo na primeira noite, outros não se importam em dizer que ouvir a mulher falar sobre suas relações anteriores é um exercício de masoquismo e autopenitência. Expressam inconscientemente perceber o laço sobrenatural que liga a virgindade à pureza, e a pureza a uma qualidade desejável no ser feminino. Talvez seja biológico, talvez seja cultural. Mas está lá e todos sentimos sua presença, ainda que alguns lutemos para nos desfazer dessa influência, em nome dos “tempos modernos”.

Escreveu Ortega y Gasset que dizer o que pensamos “... tampoco nos hace ver francamente la verdad estricta: que siendo al hombre imposible entenderse con sus semejantes, estando condenado a radical soledad, se extenúa en esfuerzos para llegar al prójimo. (...) Dóciles al prejuicio inveterado de que hablando nos entendemos, decimos y escuchamos tan de buena fe, que acabamos muchas veces por malentendernos mucho más que si, mudos, procurásemos adivinarnos”.

Entre homens e mulheres, homens e homens, mulheres e mulheres, olhares e toques (e uma palmadinha de vez em quando) deveriam bastar. O resto é apenas um fascinante e difuso supérfluo.

Saturday, May 3, 2008

2 reais

Autoridade moral é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição. No andar de cima do prédio em que funciona meu curso, tem uma Igreja. Deve ser uma sucursal da Universal do Reino de Deus, mas eu não saberia apontar a diferença entre esta e uma Nova Pentecostal do Amor Eterno, uma Adventista do 18º Dia, uma Sarah nossa Terra ou um Templo Sinistro do Santo Escambáu a Quatro. É um daqueles recintos com cheiro de reforma, em que pessoas com vozes esganiçadas se reúnem sábado de manhã para cantar “Hosana nas Alturas”. Conheço uma menina chamada Rosana que vive nas alturas – e imaginar que a canção é inspirada nela me faz um sujeito mais tolerante. Mas não foi sobre isso que vim escrever.

Talvez demore um pouco para chegar ao ponto, hoje; e espero paciência de quem estiver lendo. Pare aqui, leitor cibernético, se não crê que eventualmente chegarei aonde quero te levar. Você continuou, acreditou em mim - autoridade moral é isso. Outro exemplo: minha irmã começa a namorar um camarada. É um pouco mais velho que ela, posa de artista, todas as criaturas fêmeas de menos de 20 anos consideram o rapaz um exemplar de pura Atraência. Somos apresentados – eu o pego pela mão e o trago comigo até uma goiabeira estacionada na frente do bar, tiro uma Surpresa das calças e me ponho a mijar, enquanto discurso sobre a magnanimidade do Jequitibá-Rei. Meu filho – chamo-o de “meu filho” – o Jequitibá-Rei é como o Amor. Ele precisa ser regado para continuar crescendo forte e teso; caso contrário, definha, morre. A-p-o-d-r-e-c-e. Sacudo minha surpresa muito mais que o necessário, antes de devolvê-la para dentro das calças. Jamais menciono a supérflua diferença entre uma goiabeira mijada e um Jequitibá-Rei aguado. Isso é autoridade moral.

Mas eu contava (paciência, paciência...) que sobre meu cursinho funciona uma Casa de Deus. Nunca vi bem as caras dos fiéis – primeiro por recear descobrir serem todos clones de um mesmo anão anencéfalo, depois porque tenho medo de revelar meu Estado de Ressaca e sofrer uma punição divina ou um linchamento popular, o que vier primeiro. Seja como for, há coisa de dois sábados, cheguei um pouco mais cedo e encontrei uma pequena aglomeração no andar térreo. O Pastor, rodeado de gente, parecia proferir um sermão. Fiquei intrigado – normalmente, o pudor religioso restringe a peroração aos recintos Sagrados-Com-Cheiro-De-Reforma. Mas lá estavam pastor e rebanho, e eu, curioso, ressaqueado, imbuído da curiosidade antropológica que só as pessoas que não têm nada mais a perder possuem, estiquei a orelha. Que diabos: na pior das hipóteses, estaria presenciando uma versão atualizada e revista do sermão da Montanha. Nada a ver com o sermão do Toni Montana, segundo quem o traficante não deve recorrer ao próprio estoque (“thou shall not get high on your own suply”).

Paciência, paciência. Aproximei-me; o pastor ergueu as mãos para o céu quando alcancei a soleira do prédio. O sol cegou meus olhos (qual João de Santo Cristo sem a Winchester 22), eu já esperava resignado o comando de “ataquem o ateu!”; mas, em vez de deixar tombar sobre mim o Punho Bento, o Pastor alcançou a lâmpada, desatarrachou-a do soquete, e proferiu, solene: “precisamos de lâmpadas de 100 watts!” Todos os fiéis repercutiram o Verbo, como se fosse a solução para o estado de degeneração atual do mundo. 100 watts, para enxergar melhor. 100 watts, porque o Pastor é meio coroa e, acometido pela presbiopia e pela ressaca, já não consegue ler direito a letra de “Rosana nas Alturas”. Mas para os fiéis, era A Palavra. Isso é autoridade moral.

Pudera eu manter alguma dignidade extra-terrena de forma tão incondicional. Fato é que, buscando demonstrar minha agilidade felina apesar da embriaguez, derrapei numa colina e caí de quatro, bem diante do namoradinho novo daminha irmã. Senti minha Surpresa se retrair, dentro das minhas calças, decepcionada com o próprio corpo que a mantém. Vi minha irmã envergonhada e seu namoradinho vitorioso, e pensei na lâmpada de 100 watts que ilumina o Mundo.

E eis que, prostrado, caído, bêbado e derrotado, achei no chão uma cédula de 2 reais. Entendi como o preço que a Divina Ironia atribuía à minha autoridade moral. Prometi doar para a Evangelista do Fígado de Cristo.

Thursday, April 24, 2008

O menino selvagem

Um colega de cursinho – sujeito brilhante, esforçado, e com três anos de estudo acumulados com persistência mirada no mesmo disputadíssimo concurso – admitiu que não agüenta mais a pressão. Contou que almoçava com o pai numa quarta-feira, como tradicionalmente faziam, quando o genitor mencionou que teria novas responsabilidades no trabalho e por isso talvez precisassem mudar o dia do encontro semanal. Certamente não seria problema para o meu amigo, já que ele “não fazia nada, mesmo”, disse o pai, sorrindo cruelmente.

Toda sociedade arrasta consigo um peso morto, nessa gloriosa Caminhada das Civilizações. Está no contrato: vamos levando os imprestáveis, já que um dia seremos velhos, ou doentes, ou fodidos de algum outro jeito, e precisaremos ser levados também. Mas dentro do gênero dos Pesos Mortos, existem sub-espécies desprovidas de qualquer dignidade, escorraçadas até mesmo pelos sociopatas. É gente que os assassinos se recusam a matar e os ladrões, a roubar; gente que, depois de morta, deve ser incinerada, pois até mesmo os vermes rejeitariam sua carne. Quem exatamente são esses leprosos sociais, depende do grupo em questão. Em geral, são aqueles que representam antinomias aos valores sobre os quais as sociedades se baseiam. Aleijados de guerra em comunidades belicosas, velhas viúvas em sistemas machistas. Em nosso mundo ocidental capitalista cristão, são os desempregados em faixa etária economicamente ativa. Maldito o momento em que escreveram “A ética protestante e o capitalismo”.

O contexto é irrelevante para o linchamento público velado. O caso do meu amigo é exemplo. Fato é que se instituiu entre nós, infelizmente, a meritocracia. Aplicada a determinadas carreiras do serviço público, significa que o único meio de se chegar a elas é estudando. Devia ser muito mais fácil quando o sujeito já sabia, ao nascer, quais eram suas possibilidades reais. Se fosse a enxada, a enxada seria. Se tivesse um nome, o bacharelado em direito garantiria a nomeação para algum cargo público. Hoje, a possibilidade de se conseguir um emprego de sonhos acena para qualquer um – mas se situa ao fim de um caminho coalhado de minas terrestres e feras, que deve ser percorrido pelo candidato sob uma perene chuva de ácido e merda. Para o pai do meu amigo, seu status atual de “estudante” é um álibi grosseiro para sua verdadeira e deplorável condição.

Solidarizei com o sujeito porque também sinto a mão fria da culpa no pescoço, e percebi que preciso proclamar o valor de nossa categoria, antes que sejamos utilizados em experiências genéticas ou transformados em biocombustíveis. As horas do dia do estudante são repletas de tentações, e escorrem em extenuantes batalhas internas, que põem à prova a força de vontade e solidificam o caráter tanto quanto ou mais que qualquer trabalho stricto sensu. Estudar ou dar uma dormidinha rápida? Estudar! Estudar ou jogar aquele irresistível jogo de computador, por meia horinha que seja? Estudar! Estudar ou convocar o cônjuge para uma tarde de lascívia entre os lençóis? Estudar! Estudar ou aproveitar a tarde de sol pra tomar uma cerva geladíssima com um amigo? Estudar! Estudar! Estudar!

Há pesquisas que demonstram ser impossível assimilar conteúdo sem pausas periódicas. Perfeitamente saudável parar por 15 minutos entre blocos de duas horas metido em livros – dir-se-ia. Mas o estudante, culpado, não consegue relaxar. A dormidinha rápida são 15 minutos de pesadelos derrotistas; jogo de computador, só se for xadrez, que pelo menos estimula o racioncínio; tomar cerveja só se for com alguém na mesma situação que a sua. Ver televisão, só se for algum programa que, em suma, te faça um cara melhor, de algum jeito.

Foi assim, descansando construtivamente, que assisti outro dia a um documentário sobre crianças que se perdem em ambientes selvagens e são encontradas anos depois. Não sabia que histórias como as de Rômulo e Remo, Mogli e Tarzã já haviam ocorrido, com tanta freqüência, na vida real. Teve o caso do menino Victor de Aveyron, imortalizado por Truffaut; Amaia e Kamala, as meninas-lobo indianas, e alguns outros. Fiquei ainda mais surpreso ao descobrir que todos esses casos apresentam algumas semelhanças entre si. Depois de sobreviverem miraculosamente em ambientes naturais, essas crianças passaram por uma série de traumas ao serem reintegradas ao convívio social. Em maior ou menor grau, conseguiram aprender a caminhar em postura ereta e assimilaram alguns dos costumes ditos “civilizados”. Por outro lado, nenhum desses meninos selvagens conseguia permanecer por tempo indeterminado nos ambientes fechados em que a civilização se constrói – e nenhum deles jamais conseguiu dominar a fala, embora todos pudessem balbuciar algumas palavras esparsas.

Imagino o pequeno menino selvagem que deve existir em cada um de nós se debatendo dentro do meu amigo, durante o almoço com o pai, louco para jogar o prato de comida na cabeça do coroa e sair correndo, sobre quatro patas, para algum lugar onde não houvesse palavras bastantes para julgá-lo.

Wednesday, April 2, 2008

Major

O Major, que é chamado Major apesar de nunca na vida ter vestido uma farda, passou a adolescência fazendo rondas no interior da Bahia. Vivia perambulando na “mata” – ele conta assim, de forma genérica – prestando pequenos serviços, levando recados ou simplesmente vendo o tempo passar. Foi numa dessas voltas, ao entardecer, na companhia de um amigo, que viu um fantasma pela primeira vez.

- Era um vulto branco, assim, como se fosse uns pedaços de plástico agarrados na árvore – descreveu.

A segunda vez que o Major viu um fantasma foi recentemente, no Guará. Desceu na parada de ônibus costumeira, dobrou, como sempre, as sinistras esquinas que o levariam até sua casa e, num beco deserto, viu uma velha de capuz. Apressou o passo, deixando-a para trás – mas, pouco adiante, apiedou-se e decidiu voltar para oferecer ajuda à pobre. Ela havia desaparecido. Só então, se dando conta da natureza sobrenatural da senhora, sentiu palpitar na garganta o coração e nas pernas a vontade de correr. Controlou-se e caminhou até o destino, lançando esporadicamente à noite guaraense, por via das dúvidas, manifestações verbais de suas boas intenções, bom coração e vontade de viver. Orgulhou-se de sua coragem.

- Quando eu tô sozinho, não tenho medo de fantasma. Mas se tiver alguém comigo, é outra história. O medo mesmo é aquele que os vivos colocam uns nos outros... – resumiu.

Eu não conheceria o Major se a dona Chica não tivesse renunciado à tesoura para concentrar-se nas atividades de manicure e fofoqueira. Um dia qualquer, cheguei ao salão em que corto os cabelos desde antes de os ter, e o Major era o único profissional disponível. Imediatamente, enquanto tascava máquina três em três quintos da minha superfície capilar, encetou uma conversa para-filosófica sobre a bondade humana – um de seus temas preferidos – baseada nalgum crime particularmente cruel que estivera em evidência.

- O problema do mundo é que algumas pessoas são boas. Outras, não.

Frequentemente passo em frente ao salão e vejo Major olhando para a rua parada, ensolarada, pesada. Não é aquele olhar obtuso das ausências introspectivas que todos temos (uns mais que outros), mas a tradução física dos intrincados processos por meio dos quais desvela dentro de si os segredos universais. Nos 17 minutos que leva para me tosquiar, costuma me agraciar com alguma nova descoberta.

- O homem não dominou a natureza só porque é inteligente. Na verdade, estamos aqui hoje porque podemos comer de tudo, qualquer coisa. O tubarão, por exemplo, é um animal perfeito, mas não vingou. E por que não? Porque não come de tudo. Você nunca vai ver um tubarão comendo frango, por exemplo.

Desde então, a imagem do predador marinho mastigando delicadamente um frango que inexplicavelmente foi parar no fundo do mar é, para mim, a melhor alegoria para o declínio do homo sapiens. Que não virá enquanto houver gente como o rapaz que corta cabelos naquela salinha singela, na Asa Sul. Longa vida ao Major!

Thursday, March 27, 2008

Réquiem para minhas conquistas precoces

O nó do enforcado é aquele que se torna mais e mais apertado na medida em que se luta contra ele. O tempo é o nó do enforcado de todos os sonhos.

Lembro-me de um sonho que tive enquanto atravessava um pedaço de cerrado, entre minha escola e o prédio onde morava, debaixo do sol seco da hora do almoço de setembro em Brasília. Sonhava que aquele momento arfante entre grilos e cupins não entraria na minha biografia, ou no filme que fariam sobre minha vida quando eu fosse famoso, ou depois que morresse. Talvez merecesse um registro poetizado, como momento-síntese da minha juventude sonhadora na capital do meu país. Sonhava com as palavras que descreveriam o prelúdio do meu sucesso, com a trilha sonora que se ouviria contra a imagem do meu rosto suado e enigmaticamente sorridente que se metamorfosearia em um sorriso realizado num rosto mais velho.

Os elogios, ou ausência deles, esculpiam a imagem que fazia de mim mesmo, direcionavam minhas ambições e ao mesmo tempo me escravizavam. Ainda que começasse a perceber essa poderosa influência, não a recusava, à época em que todos meus heróis eram seres arrogantes. Considerava a vaidade desmedida um efeito colateral pitoresco, quase charmoso, da doce mistura de juventude com genialidade. Mirava em Buddy Holly, morto aos 22 anos; Jim Morrison e Kurt Cobain, aos 27; Alexandre, o grande, aos 33 e depois de conquistar o mundo conhecido; Napoleão, general consagrado aos 24; Álvares de Azevedo, vencido pela tuberculose aos 21, depois de tantas Noites na Taverna; ou Castro Alves, 24; nos Beatles, que mudaram a história da música entre os 22 e os 30; ou Rimbaud, que reinventou a poesia entre os 15 e 18 anos de idade. Na lógica interna do meu orgulho, a precocidade era não apenas o signo inexorável dos gênios, mas algo que viria naturalmente com o tempo.

De repente, o tempo passou e meu momento glorioso naquele ermo meio-dia ganhou contornos ridículos, e, em vez de adornar um mausoléu com estátua eqüestre, parece fadado à vala comum da mediocridade de uma megalomania juvenil.

Isso soa mais deprimente do que é, de fato. Acontece simplesmente que os aforismos com que tive contato ao longo do caminho começam a ganhar nitidez. Para J. D. Salinger, o homem imaturo é aquele que quer morrer gloriosamente por uma causa, enquanto o homem maduro contenta-se em viver humildemente por ela. Conforme Machado de Assis, o mundo era pequeno para Alexandre; mas um desvão de telhado é infinito para as andorinhas. Entre vitórias pontuais e derrotas dolorosas, continuaram salvando-se as máximas: não disseram por aí que os fracassos são os degraus para o sucesso? Enquanto me canso nessa escadaria infinita, talvez deva fazer mais para sobrepujá-la que constatar que a diferença entre humildade e umidade não são só o h e o l.

O tempo leva consigo os sonhos, mas deixa em troca uma imagem muito mais perfeita de quem realmente somos. Ao deparar com a inocuidade de toda essa soberba, comecei a suspeitar que aprender a humildade era preciso. Agora percebo que, na verdade, talvez seja preciso conquistá-la – lenta, doce e dolorosamente.

***

(Do episódio clássico d’Os Simpsons em que Homer Simpson e Ned Flanders conversam sobre a maturidade):

Flanders: É admirável! Como você faz para calar aquela pequena voz que diz: “pense”?

Homer: Você quer dizer, a Lisa?

Flanders: Não, o bom-senso!

Homer: Ah, aquilo. Para isso, nosso pequeno amigo álcool aqui pode dar uma mão...

Friday, March 14, 2008

De flores e genes

Sejamos explícitos: oficializar um namoro nada mais é que estabelecer um contrato recíproco de monopólio sobre o acesso físico. Pode ser firmado entre duas pessoas ou mais: nada impede, tecnicamente, que três, quatro ou cinco indivíduos decidam namorar-se (caso em que se configura um oligopólio ou cartel), até o limite razoável de seis – a partir daí é suruba pura e simples, com todas as características de mercado concorrencial.

Ainda que ingenuamente acreditemos na poesia do amor e na música dos beijos, entre o flerte e a conquista nada mais fazemos que executar mecanicamente uma série de manobras econômicas – e mesmo depois de estabelecido o monopólio, continuamos submetidos a determinadas leis. Todos já conhecemos garotas inflacionadas, no mercado da farra, pelo excesso de demanda. Todos já passamos noites de carnaval na cidade deserta, disputando a tapas pessoas desproporcionalmente valorizadas pelo choque de oferta causado pela debandada rumo aos grandes centros de sacanagem. Como nas bolsas de valores, rumores e especulações de todos os tipos podem fazer nossa cotação oscilar entre súbitas altas e quedas acachapantes. Tenho diversos conhecidos que já declararam os respectivos estados de moratória moral. Nada que a idade não resolva.

Apreciamos belas histórias pontuadas de foram felizes para sempre, mas não é preciso nenhuma acrobacia historiográfica para compreender que a instituição da união estável foi criada há milênios, quando por razões práticas as pessoas precisavam dar um jeito de saber quem era filho de quem. A lógica seguia seu trilho: eu, se fosse o chefe da tribo, não gostaria de deixar o comando para o filho arrogante do meu arqui-rival. Tampouco poderia correr o risco de fazê-lo por falta de informação. Desta forma, precisava, casando-me com minhas concubinas, assegurar que tudo de humano que saísse do ventre delas seria doravante obra minha.

Ainda assim, apesar da óbvia praticidade a motivar as razões e da fria clareza das cláusulas no contrato, despontam em diversos pontos ao longo do caminho excentricidades como o ciúme furioso, o fervoroso sentimento de posse, o desligamento sexual, o confronto entre o cálido início e a monotonia recente, os longos silêncios e as longas discussões surreais, a repentina percepção da falta de interesses em comum, o aterrador atilamento de que não se consegue mais viver sem outro. E a brutal consciência de que cada ato na vida de todas as pessoas é uma ária nessa ópera de ventríloquos, em busca desse tipo de monopólio, que nos livre de nossa solidão sistêmica – que continua lá embaixo, em algum lugar, achando graça de tudo isso.

Provavelmente pensando que tudo teria sido diferente se, junto com o Fogo, Prometeus tivesse trazido do Olimpo o Teste de DNA.

Friday, February 22, 2008

O triste retorno do Macho Burro

Os sinais são tantos que já não se os pode mais ignorar: a humanidade está no limiar de uma nova idade das trevas. É inegável. O amor livre, resultado de milênios de depuração social e aperfeiçoamento dos códigos sexuais, cede espaço a irritantes legiões de jovens defensores da abstinência até o casamento. O humanismo esclarecido, filho do ecumenismo tolerante e do ateísmo otimista, é molestado por vagas de fanatismo religioso em todas as direções. O “quem sabe faz a hora, não espera acontecer” se cala diante do “Hosana na alturas” e demais cânticos dedicados a deuses tão diversos quanto absurdos, e cada vez mais pessoas deixam de fazer a hora para esperar seu lugar num paraíso qualquer fazendo nada mais que adorar. O efeito narcotizante das imagens cagadas pela tevê nos últimos 60 anos já é fichinha perto do emburrecimento atônito a que o bombardeio eletrônico atual conduz. Com seu frenesi estupefaciente, a internet condena o futuro previsível. Seus predecessores, os videogames, transformaram centenas de grandes potenciais da minha geração em macacos com admirável coordenação motora fina.

Os inumeráveis aspectos do fenômeno e as respectivas inter-relações seriam objetos para todo um volume. Aqui, quero considerar apenas um sintoma do novo obscurantismo – o retorno do Macho Burro. Claro que se pode alegar que sempre houve machos burros; no limite, dir-se-ia que a maior parte dos machos é e sempre foi burra. Mas trata-se aqui do sucesso social desse tipo de cara. Para entender melhor a volta, talvez seja melhor falar um pouco sobre seu ocaso, no passado.

Quando o iluminismo empurrou para escanteio os Machos Burros medievais, personificados nos cavaleiros com queixos protuberantes que se espancavam em torneios de justa, o macho alfa passou a ser o empoado intelectual com sua peruca de longos cachos brancos. Essa figura deu lugar ao jovenzinho tuberculoso, tão apetitoso para as donzelas da época quanto mórbido em sua expectativa de vida de 20 anos. Depois, o romântico metamorfoseou-se no revolucionário socialista incendiário – um insone de barba mal-feita, hálito de vodca e sonhos vãos. Cansado das lutas, esse macho esqueceu as palavras rudes, arrumou a gravata e, frustrado no intento de mudar o mundo, foi revolucionar a arte. O dândi não tem calos nas mãos, mas anéis nos dedos.

O século XX alvoreceu e por ele o macho foi um beatnik trágico, um roqueiro com sua guitarra, um hippie com seu fornecimento exclusivo de maconha, um yuppie com seu carro esporte. O macho teve essas e tantas outras facetas altivas antes de retornar a seu estado bruto. Literalmente. Mas o que lhe teria acontecido, ao Macho Não-Burro? Quem seria responsável por sua Queda?!

A resposta é incontornável: o único ser capaz de convulsionar o homem em sua essência é a mulher. Foram, portanto, as mulheres quem mataram o bom macho e trouxeram de volta o tosco. Começou quando elas passaram a queimar sutiãs. Para nós, dotados de pênis, os sutiãs eram defesas contra a ameaça pontiaguda dos mamilos. Sem eles, estávamos perdidos – a queda seria questão de tempo. Expostos, perdemos tudo: lugares no mercado de trabalho, o direito de considerar a mulher uma propriedade privada, o dever de abrir a porta do carro e de mandar flores no dia seguinte. Não foram poucos os que abandonaram o barco em chamas e viraram gays.

No entanto, antes que a Resistência pudesse se organizar, as mulheres deram o golpe de misericórdia: passaram a nos tratar como eram antes tratadas por nós. Ou seja, como objetos. E não há espécime masculino mais adequado ao usufruto que o Macho Burro. Os outros machos podem acabar se apaixonando e causando problemas.

Espero que meus filhos vivam para ver o Renascimento.

Friday, February 15, 2008

Inércia

Vencer a inércia - seja ela moral, intelectual ou, por que não?, física - é o maior e menos reconhecido desafio humano. Quando disse Martin Luther King não se admirar da maldade dos maus nem da violência dos violentos, mas da imobilidade dos justos, era a isso que se referia. Já encarei minha própria letargia nos olhos e não me esqueço. Era verão no hemisfério norte. O calor parado e as abelhas se batendo nas janelas da cozinha. Dentro da geladeira, uma única lata de milho estragado e um pote com uma pasta marrom que ninguém reconhecia nem admitia ter largado ali. E, de qualquer forma, ninguém tinha ânimo pra jogar qualquer dos dois no lixo. Noites sudorentas, insones, o piso estalando e se vergando sob o calor suspirante. Era “a grande depressão” em Strasbourg. Nada a ver com sentimentos. Pelo menos não diretamente.

O verão é baixa temporada na cidade, os termos de trabalho temporário, que normalmente vão de setembro a maio, se acabam – nem todo mundo consegue se recontratar. As aulas também chegam ao fim. Ninguém tinha dinheiro para abastecer a casa, ninguém sabia o que aconteceria quando acabasse o último tubo de desodorante que todos dividíamos. Vivíamos a ressaca de um inverno exuberante e uma primavera cheia de viagens.

Levantei cedo e imprimi o currículo que tinha preparado no dia anterior. Uma página, com foto: como os franceses gostam. Localizei os lugares que se preparavam para a copa – entrei em cada salão com anúncio de telão gigante, happy hour à coup du monde ou promoção que o valesse. Quem aposta em atrair clientela deve precisar de mão-de-obra, pensei. Quanto mais brasileira. Quanto mais barata e disposta a ficar por um só mês. Depois, fui aos lugares que se clamam brasileiros. Mi barrio, mi gente. Depois, tentei os lugares que freqüentava.

Sete horas mais tarde, 15 cópias do CV a menos e um punhado de désolés na mochila, sentei-me à beira do rio pra conversar com meu kebab. Minha mãe me disse que nossa geração é conhecida como aquela em que os jovens não querem saber de nada. É um fenômeno sociológico mundial, selon mamma: nós, frutos dos anos 80, não temos a menor pressa pra conseguir trabalho, pra construir carreira, pra fazer família. Somos o contrário dos yuppies e já nos deram até um nome: down-shifters.

Em defesa da geração, poderia ser dito que não é apatia: é esmero. Poder-se-ia alegar que fazemos devagar para fazer bem-feito. Mas não é verdade. Simplesmente fazemos devagar, mesmo, por que fazemos sem convicção alguma.

Eu, no meu caso, sou um mimado, sortudo de não precisar me apressar na vida – e me sinto tão culpado por isso que evito pensar na minha própria condição e nego a mim mesmo minha bonança. Me identifico terrivelmente com uma certa burguesia pseudo-intelectual que nunca trabalhou na vida e se diz de esquerda; que nunca viu pobreza, mas se investe de ideais para justificar o coisa alguma. Às vezes penso comigo mesmo que queria ser artista, às vezes acho que a arte já morreu faz tempo e os artistas contemporâneos só servem para fazer o mundo de espectadores vomitar sobre o túmulo dela. E eu estou pronto para me juntar a eles, brincando serelepe de gastar recursos que em sua maioria não são meus, que eu não mereci e que poderiam ser tão melhor empregues – e voilà!, não consigo sequer escrever a palavra “dinheiro”.

E não tenho sequer a certeza de que resisti à tentação de glamourizar esse exame de consciência.

Friday, February 8, 2008

Erec e Enide (ou Geraint e Enid, ou Sai pra lá, olho gordo)

Erec resolveu seu problema de um jeito curioso, para dizer o mínimo.

Era o mais jovem cavaleiro da Távola Redonda, numa Camelot ainda rutilante de glória e esperança. Com seus companheiros de armas, vinha de longas temporadas sob o estandarte do rei Artur. Certa vez, fazia companhia à rainha Guinevère enquanto o rei e outros cavaleiros participavam de um torneio de caça, quando um cavaleiro estrangeiro, acompanhado por um anão, se aproximou. Ambos demonstraram rudeza e desrespeitaram a honra da esposa de Artur, ao chacotearem com um dos melhores servos da rainha. Guinevère ordenou então que Erec seguisse o cavaleiro e vingasse o insulto. Em sua missão, o rapaz acabou chegando a uma cidade distante e pedindo abrigo a uma família que vivia em um castelo decaído. Foi onde conheceu Enide, por quem se apaixonou perdidamente.

Em pouco, casaram-se. Erec via nos olhos da moça que figurar nos hinos dos bardos e em trovas épicas nada valia, comparado ao que tinha agora. Decidiu abandonar a vida de aventuras para dedicar cada hora de seu futuro à amada.

Rumores se espalharam pela corte de que Erec perdera o brio. Preferiria a vida doméstica, a reclusão entre os braços da esposa, em detrimento das obrigações e glórias da cavalaria. A pressão avolumou-se e atingiu Enide, que chorava escondida, à noite, pela reputação manchada do marido.

O falatório dos cortesãos e a suscetibilidade da esposa eclipsaram a morna felicidade do jovem guerreiro. Por que não podiam, ao cabo de tantas lutas, apenas constituírem uma família? Por que dava ela ouvidos às palavras envenenadas dos detratores? E, enfim, seriam essas conversas a expressão da verdade? Seria ele agora indigno do brasão que ostentava? Angustiado, Erec sentiu que precisava pôr à prova seus três mais preciosos tesouros: seu amor por Enide, o amor de Enide por ele, e seu valor como cavaleiro de Artur. E partiu, então, na que seria a maior de suas jornadas.

Enide devia ir à frente, sozinha, exposta aos perigos do caminho, sem jamais dirigir a Erec a palavra. O cavaleiro seguia em seu encalço, defendendo-a dos ardis e recuperando-a a cada emboscada. Por sua vez, Enide repetidas vezes não resistiu a quebrar a condição de não falar ao marido para adverti-lo quanto aos riscos vislumbrados. Preferia isso a deixar que Erec se expusesse mais que o necessário. Ao cabo de indizíveis aventuras - que incluíram enfrentar bandidos de estrada, gigantes e até um cavaleiro encantado - o casal se reconciliou e o cavaleiro provou seu valor. Artur e Guinevère fizeram uma festa (“the joy of the court”) em homenagem aos dois, e Erec acabou herdando as terras de seu pai.

Tem quem interprete Erec e Enide como uma imagem poética do amor verdadeiro, aquele que pressupõe que os amados devem reconquistar-se um ao outro a cada novo dia. Tem quem veja na história a alegria da volta ao lar depois de desventuras, como na ária catalã do livro de M.V. Montalbán:

Minha aldeia
Como a alma se recreia tornando a te contemplar.
Meus pagos
Após cruzar mares largos estou aqui para reencontrar.


Para mim, a versão mais antiga da lenda, escrita por Chrétien de Troyes, demonstra que desde o século XII a fofoca e as cobranças sociais são pedras no caminho da felicidade. Mesmo quando a felicidade é tão simples quanto a encontrada por Erec e Enide.

Mas desde o próprio século XII a solução é apontada, ainda que seja tão assustadoramente evidente que chega a passar despercebida: na ausência de problemas, crie-os você mesmo antes que alguém o faça por você.

Thursday, January 24, 2008

Metalinguagem

Descoberta ocasionada por uma topada com o oximoro de Victor Hugo, para quem “Deus é o invisível evidente”:

A verdade poética
É tratar do mais básico
De um jeito tão óbvio
Que chega a ser mágico.

Wednesday, January 16, 2008

Por que existe a ressaca, meu Deus; por que, por que, por quê?

Muito já se escreveu sobre (e sob) a Ressaca. Talvez só perca, no rol dos temas universalmente tratados, para Deus e o Sexo. Conquanto sejam todos esses temas de importância existencial, eu, particularmente, tenho tido muito mais contato com a primeira que com os dois outros.

Lembro de um conto do Luís Fernando Veríssimo (salvo engano) em que ele compendia as ressacas e as classifica de acordo com o tipo de mal-estar. A ressaca de vinho (salvo engano) deixaria o vitimado em tal estado de desidratação que o empurraria no meio da noite para a cozinha, onde ele descobriria desalentado que não há líquido potável e que terá de recorrer, portanto, à gaveta dos legumes, junto à qual seria encontrado na manhã seguinte chupando um chuchu, em busca de umidade. Eu sorri ao ler a crônica, mas foi um sorriso tenso, de quem se dá conta que o abismo moral das crônicas pode estar logo ali, numa madrugada de sábado pra domingo.

Na literatura ressaquística disponível, as seqüelas físicas são as mais incensadas. A sintomatologia clássica inclui dores de cabeça lancinantes, fotossensibilidade, perda de 70% da coordenação motora fina (“não, eu não errei minha boca, o garfo é que tá torto!”), indisposição para tarefas mentais (acordar já é um ato de resignação) e completa recusa às tarefas físicas (“eu sei que estou a seis horas assistindo a esse programa mudo sobre os desenhos que o vento faz nos campos de açafrão, mas você queria que eu me levantasse daqui pra pegar o controle remoto?!”). Os reflexos psicológicos perpassam um mau-humor aleatório – semelhante à TPM – e calores – semelhantes à menopausa –, o que fundamentou teorias segundo as quais o estado de ressaca seria uma incursão química à psique feminina. A tese foi fulminada ao se constatar que uma tigela de sorvete de flocos com cobertura de chocolate quente, apesar de atenuar o sofrimento, não reverte o quadro geral.

Li em algum lugar que os grandes vilões são os aldeídos. Passei a pedir minha cerveja sem aldeído, mas não parece ter funcionado. Também já ouvi falar que não se podem misturar destilados e fermentados. Pedi para pararem de colocar cachaça no meu vinho, nada. Diante da impossibilidade de se a evitar, passei a me preocupar com outro aspecto da ressaca – aquele que, para mim, precede a todos os outros e constitui sua verdadeira causa e essência: o aspecto moral.

Podem dizer que aquele amarelado nos olhos de ressaca é resultado da bile ou o que quer que seja, eu continuo achando que é culpa. Pode ser pelas memórias enevoadas da noite anterior, em que você tentou insistentemente beijar a mesma menina achando que o fora era só provisório. Você recorda, então, que na hora julgou estar recebendo sinais claros de que ela estava atraída por você – agora percebe que ela te pediu para parar de fumar não por se preocupar com a sua saúde, mas porque era proibido, dentro da boate. A cada caco de lembrança, a cada nova peça do quebra-cabeça, um novo sintoma físico. Minha tese terá sido corroborada se, na próxima vez em que encontrar aquela garota, ela vier te perguntar “e aí, ainda precisa de ajuda para escolher o nome do seu pônei” e você, sem idéia de por que teria dito aquilo, desmaiar.

Acho que o único jeito digno de combater a ressaca é suportando-a estoicamente até o fim. A dor é a punição merecida pelos excessos da véspera, quer você se lembre deles ou não. Ainda que doa tanto que você tenha vontade de chamar a polícia. Tylenol é para os fracos; engov, para os mal-intencionados.

Sorvete de flocos, vá lá. Mas sem cobertura.