Saturday, May 3, 2008

2 reais

Autoridade moral é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição. No andar de cima do prédio em que funciona meu curso, tem uma Igreja. Deve ser uma sucursal da Universal do Reino de Deus, mas eu não saberia apontar a diferença entre esta e uma Nova Pentecostal do Amor Eterno, uma Adventista do 18º Dia, uma Sarah nossa Terra ou um Templo Sinistro do Santo Escambáu a Quatro. É um daqueles recintos com cheiro de reforma, em que pessoas com vozes esganiçadas se reúnem sábado de manhã para cantar “Hosana nas Alturas”. Conheço uma menina chamada Rosana que vive nas alturas – e imaginar que a canção é inspirada nela me faz um sujeito mais tolerante. Mas não foi sobre isso que vim escrever.

Talvez demore um pouco para chegar ao ponto, hoje; e espero paciência de quem estiver lendo. Pare aqui, leitor cibernético, se não crê que eventualmente chegarei aonde quero te levar. Você continuou, acreditou em mim - autoridade moral é isso. Outro exemplo: minha irmã começa a namorar um camarada. É um pouco mais velho que ela, posa de artista, todas as criaturas fêmeas de menos de 20 anos consideram o rapaz um exemplar de pura Atraência. Somos apresentados – eu o pego pela mão e o trago comigo até uma goiabeira estacionada na frente do bar, tiro uma Surpresa das calças e me ponho a mijar, enquanto discurso sobre a magnanimidade do Jequitibá-Rei. Meu filho – chamo-o de “meu filho” – o Jequitibá-Rei é como o Amor. Ele precisa ser regado para continuar crescendo forte e teso; caso contrário, definha, morre. A-p-o-d-r-e-c-e. Sacudo minha surpresa muito mais que o necessário, antes de devolvê-la para dentro das calças. Jamais menciono a supérflua diferença entre uma goiabeira mijada e um Jequitibá-Rei aguado. Isso é autoridade moral.

Mas eu contava (paciência, paciência...) que sobre meu cursinho funciona uma Casa de Deus. Nunca vi bem as caras dos fiéis – primeiro por recear descobrir serem todos clones de um mesmo anão anencéfalo, depois porque tenho medo de revelar meu Estado de Ressaca e sofrer uma punição divina ou um linchamento popular, o que vier primeiro. Seja como for, há coisa de dois sábados, cheguei um pouco mais cedo e encontrei uma pequena aglomeração no andar térreo. O Pastor, rodeado de gente, parecia proferir um sermão. Fiquei intrigado – normalmente, o pudor religioso restringe a peroração aos recintos Sagrados-Com-Cheiro-De-Reforma. Mas lá estavam pastor e rebanho, e eu, curioso, ressaqueado, imbuído da curiosidade antropológica que só as pessoas que não têm nada mais a perder possuem, estiquei a orelha. Que diabos: na pior das hipóteses, estaria presenciando uma versão atualizada e revista do sermão da Montanha. Nada a ver com o sermão do Toni Montana, segundo quem o traficante não deve recorrer ao próprio estoque (“thou shall not get high on your own suply”).

Paciência, paciência. Aproximei-me; o pastor ergueu as mãos para o céu quando alcancei a soleira do prédio. O sol cegou meus olhos (qual João de Santo Cristo sem a Winchester 22), eu já esperava resignado o comando de “ataquem o ateu!”; mas, em vez de deixar tombar sobre mim o Punho Bento, o Pastor alcançou a lâmpada, desatarrachou-a do soquete, e proferiu, solene: “precisamos de lâmpadas de 100 watts!” Todos os fiéis repercutiram o Verbo, como se fosse a solução para o estado de degeneração atual do mundo. 100 watts, para enxergar melhor. 100 watts, porque o Pastor é meio coroa e, acometido pela presbiopia e pela ressaca, já não consegue ler direito a letra de “Rosana nas Alturas”. Mas para os fiéis, era A Palavra. Isso é autoridade moral.

Pudera eu manter alguma dignidade extra-terrena de forma tão incondicional. Fato é que, buscando demonstrar minha agilidade felina apesar da embriaguez, derrapei numa colina e caí de quatro, bem diante do namoradinho novo daminha irmã. Senti minha Surpresa se retrair, dentro das minhas calças, decepcionada com o próprio corpo que a mantém. Vi minha irmã envergonhada e seu namoradinho vitorioso, e pensei na lâmpada de 100 watts que ilumina o Mundo.

E eis que, prostrado, caído, bêbado e derrotado, achei no chão uma cédula de 2 reais. Entendi como o preço que a Divina Ironia atribuía à minha autoridade moral. Prometi doar para a Evangelista do Fígado de Cristo.

5 comments:

Rayssa Tomaz. said...

SÉRIOOO QUE FOI ASSIM? Ou foi só o seu espírito meio Wilde que te fez descrever os fatos dessa forma?
O que importa é que além dos 2 reais, você ganhou um machucado na perna...Mas desse eu mesma cuido, tá?

Essa sexta foi um blefe.
argh.

:*

Avante said...

F-A-N-T-A-S-T-I-C-O.
O bruno me ensinou a rir pela internet, o que eu sempre achei absurdamente intrigante. Ok, hoje eu acho interessante a capacidade de ler um blog que me arranca sorrisos desmedidos.

GRACIAS

Anonymous said...

contar histórias é bem melhor que ter opiniões sobre as coisas. haha. ou é um disfarce pra mesma coisa. mas prefiro esse "modo blogueiro" ao outro.

Anonymous said...

maria vai com as outras é meu codinome na internet. quem fala é a woortmann.

Angélica Seguí said...

GENIAL!!
puts tu é foda!