Friday, March 14, 2008

De flores e genes

Sejamos explícitos: oficializar um namoro nada mais é que estabelecer um contrato recíproco de monopólio sobre o acesso físico. Pode ser firmado entre duas pessoas ou mais: nada impede, tecnicamente, que três, quatro ou cinco indivíduos decidam namorar-se (caso em que se configura um oligopólio ou cartel), até o limite razoável de seis – a partir daí é suruba pura e simples, com todas as características de mercado concorrencial.

Ainda que ingenuamente acreditemos na poesia do amor e na música dos beijos, entre o flerte e a conquista nada mais fazemos que executar mecanicamente uma série de manobras econômicas – e mesmo depois de estabelecido o monopólio, continuamos submetidos a determinadas leis. Todos já conhecemos garotas inflacionadas, no mercado da farra, pelo excesso de demanda. Todos já passamos noites de carnaval na cidade deserta, disputando a tapas pessoas desproporcionalmente valorizadas pelo choque de oferta causado pela debandada rumo aos grandes centros de sacanagem. Como nas bolsas de valores, rumores e especulações de todos os tipos podem fazer nossa cotação oscilar entre súbitas altas e quedas acachapantes. Tenho diversos conhecidos que já declararam os respectivos estados de moratória moral. Nada que a idade não resolva.

Apreciamos belas histórias pontuadas de foram felizes para sempre, mas não é preciso nenhuma acrobacia historiográfica para compreender que a instituição da união estável foi criada há milênios, quando por razões práticas as pessoas precisavam dar um jeito de saber quem era filho de quem. A lógica seguia seu trilho: eu, se fosse o chefe da tribo, não gostaria de deixar o comando para o filho arrogante do meu arqui-rival. Tampouco poderia correr o risco de fazê-lo por falta de informação. Desta forma, precisava, casando-me com minhas concubinas, assegurar que tudo de humano que saísse do ventre delas seria doravante obra minha.

Ainda assim, apesar da óbvia praticidade a motivar as razões e da fria clareza das cláusulas no contrato, despontam em diversos pontos ao longo do caminho excentricidades como o ciúme furioso, o fervoroso sentimento de posse, o desligamento sexual, o confronto entre o cálido início e a monotonia recente, os longos silêncios e as longas discussões surreais, a repentina percepção da falta de interesses em comum, o aterrador atilamento de que não se consegue mais viver sem outro. E a brutal consciência de que cada ato na vida de todas as pessoas é uma ária nessa ópera de ventríloquos, em busca desse tipo de monopólio, que nos livre de nossa solidão sistêmica – que continua lá embaixo, em algum lugar, achando graça de tudo isso.

Provavelmente pensando que tudo teria sido diferente se, junto com o Fogo, Prometeus tivesse trazido do Olimpo o Teste de DNA.

2 comments:

Rayssa Tomaz. said...

Lembro das crianças correndo e de um garotinho batendo no outro! Foi um feliz primeiro mês, né?
Monopólio for life!

Anonymous said...

uhm. algumas vezes acontece de não precisar de ofício, oficialização. é como um monopólio natural pelo qual você sempre esteve esperando. um destino traçado na maternidade. pode não durar nem gerar filhos legítimos, mas acontece.