Wednesday, August 8, 2007

Dia 1

Logo no primeiro dia cometi um erro imperdoável: cheguei 7 minutos atrasado. Atraí todos os olhares e destruí a tensa aura de conhecimento em que estavam imersos, como se estilhaçasse o aquário precário em que se enfileiravam, aos pares, esbugalhados peixinhos redondos. Os mais próximos da porta chispavam como se soletrassem a acusação: “isso é descaso!” E o descaso é intolerável, diziam-me os semblantes inquisidores por que passei primeiro, à procura de um lugar vago na sala de aula quase lotada. É desperdiçar o tempo em que se poderia aprender todo o conteúdo da questão mais difícil da prova; é negligenciar a densidade dos macetes que o professor pago em barris de petróleo consegue socar em poucos minutos. É rasgar o dinheiro que você, em tese, investiu para recuperar depois, com o primeiro salário depositado em conta pelo governo.

Venci as carteiras mais ao fundo e senti o ar escassear à medida que me aproximava do quadro negro. Ainda não sabia disso, mas penetrava num dos espaços sociais mais carregados do mundo contemporâneo. O clima na Primeira Fileira dos cursinhos para concursos públicos é comparável apenas ao das reuniões de cúpula da Al Qaeda, dos míticos torneios de pôquer entre líderes de facção da máfia russa e do banheiro feminino do Desfrut Bar. Naquela área, meu atraso não era interpretado apenas como descaso e sintoma de um caráter degenerado – era sabotagem. Eu, concorrente tinhoso, teria deliberadamente interrompido uma explicação, desviado as atenções, rasgado o dinheiro que aquelas pessoas investiram para recuperar depois, com o primeiro salário mamado na ainda distante teta pública.

Toda a hostilidade não destruiu, naquele primeiro dia, minha excitação juvenil, aquela ansiedade de primeiro dia de aula depois das férias. Faria novos melhores amigos? Conheceria algum sujeito hilário, cujos aforismos e tiradas se tornariam legendários para meus amigos da iniciativa privada? Descobriria finalmente a linda jovem ninfomaníaca dotada de cérebro e sensibilidade por que vinha procurando todos aqueles anos? Olhei em volta, ávido por um sinal de reconhecimento que fosse, logo que pude me sentar. Só então percebi o silêncio. O professor, maestro daquela orquestra macabra, tinha esperado meu périplo para reiniciar a aula. Alguém tossiu. No código não-escrito dos cursinhos, a tosse é a última advertência antes do ostracismo. Espero aprender a dançar antes que me pisem no pé.

1 comment:

Anonymous said...

impecable!
me encanto!