Tuesday, September 4, 2007

Robert Johnson na encruzilhada

Conhecer colegas de cursinho é uma decisão delicada. Fazê-lo significa abrir mão de uma série de preconceitos confortáveis e estereótipos divertidos. É dotar de alma deliciosos alvos de escárnio e receptáculos de gozação – mais ou menos como refutar a piada por compreender que um judeu, um português, um papagaio e o Maradonna jamais estarão juntos no mesmo bote salva-vidas.

Por outro lado, ignorar dia após dia aqueles olhares de neurose profunda e expressões mendicantes de sociabilidade seria me tornar para eles – eu mesmo – o papagaio. Ou pior, o Maradonna. E, na verdade, não ponho minha mão no fogo pela minha pessoa.

Talvez tenha alguma mania bizarra enquanto assisto à aula. Então todos se reunirão na sala de estudos, olhinhos faiscantes de intriga, e sussurrarão quão assustador é o comichão na minha boca, acompanhado pelo som gutural que deixo escapar e que me rendeu o apelido de “Arrotinho”. Talvez eu mastigue o fundo da caneta e faça fios de cuspe quando a tiro da boca, talvez extraia robustas melecas do nariz em momentos de distração demente – talvez, hiper-disperso, eu chegue ao extremo de levá-las aos lábios. Talvez minha pele seja anormalmente oleosa e feda um pouco, talvez eu tenha aquele bafo de desgraça que acomete um a cada três estudantes de cursinho – e talvez, por isso mesmo, eu não perceba meu hábito repulsivo de cheirar a ponta da caneta ao afastá-la dos beiços. Sei lá, não garanto. Ao cultivar o afeto deles, puxo uma cortina de comiseração sobre meus possíveis defeitos.

Trocar boas piadas por novas amizades. Tão politicamente correto, saudável e sem sentido quanto me tornar vegetariano. Sigo por esse caminho e, antes de me dar conta, ganho uma gastrite por esquecer de mandar cartões de natal a primos de terceiro grau.

Imagino Robert Johnson na encruzilhada de algum campo de algodão perdido no Mississipi, a sós com seu violão e seu dilema (e possivelmente um toco de cigarro), tentando decidir se vende ou não a alma ao diabo. Vejo Joe Strummer na sarjeta londrina decidindo se fica ou se vai. Encontro José Raúl Capablanca em Havana decidindo se avança o peão do rei e se arrisca ou se recua o cavalo e força o empate. E percebo todas as pessoas do mundo que já estiveram entre duas escolhas equânimes, e me pergunto – onde está o oráculo? – e percebo que nessa divagação pretensiosa eu talvez esteja comendo melecas.

Ah, se as aulas bastassem contra todas as dúvidas...

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