Tuesday, November 20, 2007

Banzo

Levantou os olhos do café e sorriu por um segundo. Sua felicidade era errática – vinha em ondas com um formigamento de excitação por não ter feito absolutamente nada no dia, apesar dos compromissos. O poder advindo da decisão pelo ócio inundava-o. Olhava o interior do restaurante como se lambesse as paredes de madeira, o teto espelhado, o carpete vermelho-escuro: explorar os limites do mundo sensorial fora sua escolha para o dia. Desta vez, não deixaria assomar aquela culpa por estar à toa. Não deixaria ganhar forma o pensamento de que o tempo é medido por coisas que acontecem e nos termos das mulheres e dos homens que fazem as coisas acontecerem. Às vezes, queria ser como essas pessoas. Então lembrava que precisava começar de algum lugar e preferia não pensar nisso. Não pensar em coisa alguma.

(Senhoras e senhores, levantem-se para saudar o Entretenimento.)

Para se entreter, imaginou um céu estrelado e uma lua crescente, e um velho sentado à soleira com uma viola nas mãos. Apenas ligeiramente tocado pela luz amarela que vaza por uma fresta da porta, ele canta com sua voz de Tempo. Suas palavras escorrem pela noite úmida, pelas ruelas cobertas de areia, e sobem com o vento quente agitando as copas das bananeiras, para se misturarem ao ruído distante do mar e se dissiparem no céu estrelado de lua crescente.

Não exatamente sua idéia de entretenimento.

Mas uma estranha paz que ele só podia alcançar nos lamentos em castelhano da viola do velho.

1 comment:

Anonymous said...

Ok, esse blog está me boicotando. Talvez fosse melhor nem insistir em escrever outro comentário blasé por aqui... Mas eu sou cabeça-dura, então vamos lá.

Eu quase que consegui ouvir o velho arrastando as sílabas num lugar úmido e cheio de história sem final feliz, meio lugar pra se tomar 'umas' nos dias em que ficar inebriado pode ser a única solução para se ver lirismo em alguma coisa, sabe? O típico badhair day feminino.

Deve ser porque hoje o espírito Bukowskiano tomou conta do meu ser, e nem estou falando do lado aventureiro sexual daquele "velho safado", mas sim da melancolia resultanto de uma série de infortúnios e impotências.

Vou até fazer uma citação ótima de um livro péssimo que eu li uma vez.
Não que eu consiga me ver em Paris, mas é meio assim que eu estou hoje.

"Minha vida parece um passeio em Paris às quatro da manhã, olhando ruas desertas, escutando músicas imbecis que ficam chorando uns amores de merda."


Acredito que a minha identidade não é tão desconhecida assim, mas caso precise procurar por respostas, você sabe onde achar. Me permito o direito da preservação, ok?

Hasta.